Quando o carro chegou, ele me pediu para sentar enquanto colocava as malas no bagageiro. Não me deixou nem ajudar. Eu sempre me admiro com o seu cavalheirismo. É tão raro encontrar um jovem como Arthur nos dias de hoje, ele me impressiona sempre ao puxar a cadeira para mim, ao abrir as portas e segurá-las até a minha passagem... Pode parecer um tanto fútil para a maioria, mas demonstra seu desvelo e para mim isso é muito importante.
No nosso segundo voo, lembrei dos meus pais, provavelmente estariam chegando à casa de praia da Anne, em uma Ilha afastada dos grandes centros. Desta vez meu pai deve se comportar como um homem comprometido. Seja como for, eles pretendem aproveitar a lua de mel. Quando penso na beleza das palavras do papai durante a cerimônia, eu ainda me emociono. Não só por perceber o quanto é importante para ele o amor da mamãe e sim, por sentir o mesmo tipo de amor pelo meu anjo. Tal pai, tal filha.
Tivemos uma viagem de setenta e duas horas exaustivas, passadas entre vários aeroportos, trocas de aviões e viagens de carro. Ao chegar à pequena Vila, na Ilha de Amami, eu fiquei encantada com a paisagem. O lugar era acolhedor e nossos anfitriões nos esperavam em seu maravilhoso jardim. Eu mal acreditei na admirável recepção.
Tiemi-san fez uma reverência tradicional do local, eu olhava maravilhada para sua beleza exótica e mignon, emoldurada pelo seu belo quimono florido. Sua tez era perfeita e dispensava maquiagem. Eu imaginava os dois como idosos, porém pareciam ter menos de trinta anos.
Antes das apresentações de praxe, Art reverenciou seu Mestre. Akira-sensei parecia surpreso com a deferência do seu pupilo, pediu para parar com aquilo e o puxou num abraço. Ele o tratava como um grande amigo e não como seu discípulo. Aquilo me agradou muito! Tinha algum receio dentro de mim em relação à postura de Mestre Oriental, a distância e a reserva tão proclamadas não existia entre os dois.
Sua bela esposa me mostrou o maravilhoso jardim, com uma frase reconfortante em minha língua natal: “Seja bem-vinda, este recanto é tão seu quanto nosso. Fizemos um chá para recepcioná-los, é nossa acolhida tradicional!” Sua fala era arrastada e lenta, havia decorado cada palavra, eu creio. Pois só seu esposo fala fluentemente a nossa língua.
Antes de me sentar para o chá, não resisti a afagar o Jiva. É um gato muito dócil, veio direto para mim, quando desceu da sua cesta na varanda. No futuro, eu vou ter meu próprio gato, com certeza vou!
Sentei-me ao lado da Tiemi-san enquanto ela servia o chá, os rapazes haviam levado a bagagem para dentro de casa. Ela fez questão de me explicar como funcionava a cerimônia do chá, a forma certa de servir, como virar a xícara ao tomar a bebida. Detalhes, aparentemente insignificantes para nós ocidentais. Entretanto fazia parte de uma cultura milenar e tradicional, nós como hóspedes deveríamos observar, aprender e respeitar.
Eles voltaram em pouco tempo e se uniram a nós, o chá ainda estava sendo servido, mas a animação evidente no semblante do meu amor me deixou menos ansiosa. Eu não tenho hábito de tomar chás, muito menos de observar detalhes de uma cultura tão diferente. Meu medo de errar e fazer algo estúpido era enorme!
O incrível foi simplesmente perceber a minha angústia se dissipar rapidamente. Não foi por causa do olhar do Art, mas do seu Mestre. É um olhar brilhante, vivaz, sem censuras ou cobranças. Aqueles olhos de ébano são profundos e luminosos como nunca vislumbrei antes. Ele tem realmente um dom, de inspirar paz ao seu redor. Faz o ar a sua volta se tornar mais puro, as emoções se harmonizarem, os pássaros cantarem, as árvores murmurarem felizes ao balançar suavemente suas folhas. Algo etéreo acontece apenas com a sua presença.
Por fim, não era nenhuma cerimônia tradicional, apenas um chá para recepcionar amigos exaustos e demonstrar seu apreço como anfitriões. Ficamos ali conversando por alguns minutos agradáveis, sobre o quanto foi desgastante a viagem, a beleza da Vila, os recantos aos quais Arthur pretende levar-me.
Após a bebida reconfortante, os dois resolveram meditar no jardim. Eu fiquei espantada com a disposição de meu namorado. Afinal veio cochilando junto comigo por todo o percurso de carro até eu acordá-lo. Eu despertei ao ouvir o inglês confuso do motorista dizendo: “Chegamos à Vila!”
Tiemi-san me levou diretamente ao nosso quarto. Sabia o quanto eu deveria estar cansada e me mostraria a casa toda mais tarde. Eu encontrei um ambiente espaçoso, com um violino no centro, cheio de livros e um belo futon para casal. Fiquei encantada com a simplicidade e beleza de tudo. No entanto, o violino ali indicava o que eu sempre imaginei. A música é essencial para o Art, embora tente negar, aquela era uma prova da importância do instrumento na sua vida.
Inspecionado todo o cômodo, minha nova amiga me ofereceu outra opção, ela cederia sua cama para mim. Por um instante devo ter passado a impressão errada quando olhei para o violino, eu declinei rindo e ouvi seu suspiro de alívio em seguida. Por fim, falou sobre ter água quente no ofurô esperando para o nosso banho e se ofereceu para me fazer uma massagem revigorante. Eu deveria aproveitar o dia e não dormir até a noite, para me adaptar ao fuso horário mais rápido.
Estava relaxando imersa na água quente há algum tempo, quando meu anjo se juntou a mim. Eu sentia urgência da sua companhia. Precisava entregar-me aos seus beijos, seus carinhos, aos seus braços. Estava esfaimada do seu gosto, do seu perfume, da sua paixão. Totalmente aliciada pela sua presença.
Após nosso demorado banho, Tiemi-san bateu à porta. Nem sei dizer, se ela estaria esperando o término para entrar, ou se intuiu ser a hora certa. Seja como for, sua entrada aconteceu segundos depois do Arthur se enrolar na toalha. Sabia o motivo de sua vinda, me deitei sobre a mesa de massagens, me entreguei ao seu toque firme e gentil. Como ela havia comentado antes, eu não tive sono. Pelo contrário, me sentia muito mais alerta.
Para aproveitarmos o restante da tarde, fomos passear pela Vila. Meu amor me abraçou em frente à praça central e me perguntou se eu preferia me alimentar antes de ir às termas. Eu estava faminta e ele provavelmente também, aceitei prontamente seu convite para um almoço tardio.
Não fomos a nenhum restaurante, era um quiosque onde se vendia a comida mais tradicional da Vila, frequentado pelos habitantes da região. O cozinheiro serviu a comida em cumbucas e ofereceu apenas os hashis, no lugar dos talheres. Mais experiente, Art me ensinou como usá-los e em pouco tempo me adaptei a eles.
Andamos apreciando a paisagem e paramos na casa de banhos. Meu namorado afirmou ser revigorante mergulhar nas termas de pedra quente. Era o melhor passeio para nosso primeiro dia, ajudaria a nos manter acordados por mais tempo, sem prejuízo para nossos corpos, até nos acostumarmos com o fuso horário.
Fizemos algumas compras antes de voltarmos para a casa dos nossos anfitriões. Meu anjo comprou um quimono de seda para eu usar no ano novo. Fiquei encantada com o presente. Comprei algumas joias típicas da região para mim e para a minha mãe. Além de procurar algumas lembranças para meus amigos.
À noite, quando chegamos, fomos direto para cama. Dormi aconchegada ao peito do meu anjo. Eu fiquei durante um tempo, em um estado de torpor, apreciando a sensação de ser amada. Eu podia sentir naquele contato toda a felicidade do meu namorado por estar comigo. Seu desejo pela minha presença era tão forte que preenchia todo o quarto, fluía pelo ar. O mais estupendo é o fato de poder perceber tudo isto, sem dúvidas, incertezas, medos ou inseguranças. Eu sou definitivamente muito amada!
No dia seguinte, continuamos a explorar um pouco mais da Vila. Arthur me brindava com seu conhecimento, me contou sobre a crença de se jogar uma moeda para reverenciar os deuses antigos, uma tradição milenar que se manteve através dos anos. Jogamos juntos um penny, esperando sermos favorecidos com a graça das divindades ancestrais.
Durante a tarde, uma chuva torrencial caiu e nós voltamos para casa. Nossos amigos nos aguardavam dispostos a me ensinar a jogar mahjong. Não houve estiagem e ficamos até a noite na varanda, nos divertindo ao agrupar as peças do jogo, com uma conversa agradável, ouvindo a água cair sobre o telhado e sentindo o cheiro de terra molhada.
Mais tarde, nós nos entregamos aos nossos anseios sobre o futon. Ficamos unidos e parados, nos encantando apenas com a comunhão dos nossos corpos. Desejávamos eternizar aquele momento, envolvidos pelo calor emanando de nós, a sensação de total preenchimento e integração. Arrebatados pela nossa sonata, tocando sem cessar em nossas mentes, ela parecia reverberar por toda a casa.
Art me explicou tudo sobre a cultura local naqueles dias, meu último desafio foi rastelar um jardim zen. Eu deveria limpar a minha mente e deixar marcas na areia. Buscar a harmonia, fora e dentro de mim. Olhei para o meu namorado um tanto insegura quanto ao que fazer e ele me falou: “Anjo, é só esvaziar a mente. Se for muito difícil, deixe apenas a música fluir, como se estivesse tocando seu violino.” Depois desta informação, ficou bem mais fácil e consegui entender o objetivo. Não é sobre a beleza externa, é sobre a paz interior.
Na véspera do ano novo, eu já estava completamente apegada ao Jiva. Quando eu estava em casa, o gato me seguia para todo lado, se esfregando em minhas pernas em busca de carinho, irresistível! Ele pensava como um ser humano e sabia da minha incapacidade de ignorá-lo.
Nós almoçamos todos juntos naquele dia, visando prosperidade e fartura através do cardápio tradicional de passagem de ano. Finalmente, notei o quanto nossos anfitriões são apaixonados. Àquela mesa não havia apenas uma boa comida, mas grandes amores.
Tiemi-san me ajudou a colocar o quimono para passarmos o ano no pequeno templo budista assistindo a cerimônia do Joya no kane. Consiste em ouvir cento e oito badaladas que representam os desejos mundanos do homem, o tocar do sino purifica o ser para o próximo ano. O mais importante foi a companhia admirável daquela família e principalmente do meu anjo.
Ao voltarmos, os rapazes haviam preparado alguns fogos de artifícios para comemorar do modo ocidental. Ficamos admirando o pequeno espetáculo, felizes por estarmos unidos naquele instante. Eu relembrei todos os acontecimentos do ano passado e parecia ter transcorrido uma vida inteira. Tantas transformações, mudanças e descobertas num único ano. O que estará reservado para mim neste novo ano?
Na manhã seguinte acordei nos braços do meu anjo, como tem sido sempre, desde o começo do nosso namoro. Tenho a sensação de pertencer àqueles braços, e nem imagino como será se um dia eu precisar dormir afastada deles! Eu já havia conhecido toda a Vila, mesmo sendo muito pequeno o lugarejo é lindo. Reconhecendo ter feito seu papel de cicerone, Art pretendia participar dos treinamentos diários com Akira-sensei e falou: “Anjo, eu gostaria muito de ter você ao meu lado nos treinamentos, são apenas algumas horas pela manhã. Contudo vou entender se preferir passear sozinha ou aprender cerâmica com a Tiemi-san.”
A princípio, não fiquei muito empolgada com a ideia. No entanto, ao ver o Mestre em estado meditativo no jardim zen fiquei fascinada. Seu corpo estava envolto por um halo de luz branca. Ele emanava paz e harmonia para todos a sua volta, eu estava totalmente arrebatada por esta cena e pela serenidade em seu semblante.
Neste momento, fui aliciada a me unir às meditações matinais, a cada dia me sentia mais plena e fortalecida. Eu já havia meditado outras vezes e sempre me ajudou muito, porém na presença do Mestre eu percebi a diferença. Foi um salto quântico, me estimulou a mergulhar profunda e intensamente de encontro à minha essência.
Perguntei a Tiemi-san o motivo de não se juntar a nós pela manhã. Ela comentou ser muito mais fácil entrar em estado meditativo ao confeccionar seus vasos e ânforas. Minha nova amiga era uma ceramista incrível e seu trabalho admirável. Compreendi rapidamente a sua explicação, eu também entrava em um estado de integração ao tocar meu violino.
Mesmo assim, estava disposta a continuar a aprender com Akira-sensei. Ele me intrigava com sua boa disposição, o humor tranquilo, o olhar penetrante, a força, a firmeza e a segurança. Junto a tudo isto havia uma suavidade o envolvendo, me estimulando a buscar e ansiar pelos seus ensinamentos.
À noite, quando não estávamos entretidos com o mahjong, eu tocava para os meus anfitriões. Até o Jiva aparecia para me ouvir. Eu admirava não só o meu namorado, com seu olhar carinhoso e doce, mas o nosso casal de amigos. O amor dos dois vibra tão intensamente quanto o próprio Akira-sensei.
Tiemi-san procurou ensinar-me um pouco sobre o chanoyu, a tradicional cerimônia do chá. Aprendi os rudimentos da cerimônia, ela me explicou ser um aprendizado demorado, com uma estética única. Reservei um horário no final da tarde na casa de chá local e empreguei meus parcos conhecimentos, para agradecer ao meu amor pela maravilhosa viagem. A cultura local me influenciou a buscar a verdadeira beleza da simplicidade, cultivar a paciência e desenvolver a firmeza interior. No final, Arthur esqueceu todo o cerimonial e me agradeceu do nosso jeito tradicional, me dando um beijo doce e quente, como o chá.
Em nossos banhos prolongados no ofurô nos envolvíamos em simples carinhos. Entretanto, entre nós o amor e o desejo estão intrinsecamente interligados. Não conseguimos nos beijar sem ouvir a nossa música e muito menos sem nos entregarmos completamente a uma união. A necessidade de estarmos próximos era premente, parecia aumentar embalada pela beleza e exotismo local.
Nós passamos a estudar violino juntos, dispostos a interpretar nossa sonata. Como só existia em nossas mentes, era preciso encaixar cada nota e acorde. A ajuda do Art me acompanhando foi essencial para o sucesso rápido da nossa empreitada. Durante o mês de janeiro progredimos muito e conseguimos acertar a melodia inicial. Todavia o ponto primordial para manter a integridade da música eram os beijos.
Como sempre, nos deixávamos levar pelo momento e o doce calor a nos envolver. Meu namorado sempre ansioso por mais, correspondia a minha libido com perfeição. Muitas vezes acabávamos deitados em cima do tapete, buscando saciar nossa sede. Esta rede intricada a nos unir, vai além do desejo dos nossos corpos, é completude e entrega.
Quando finalizamos parte da nossa música, a apresentamos aos nossos anfitriões. Eles assistiram com um sorriso espontâneo nos lábios, me deixando confiante de estar no caminho certo. Com mais tempo e alguns ajustes, conseguiríamos aperfeiçoar a melodia. Havia em mim a segurança para levar a sonata o mais perto possível da perfeição.
No início de fevereiro, nossa viagem estava no fim. Aprendi a encontrar e manter a paz interior, durante a meditação. Eu aprimorei meu Tai Chi Chuan e estava fazendo toda a série de movimentos com a dedicação, o equilíbrio e a harmonia desejados. Quando alcancei a perfeição dos movimentos, o reconhecimento do Mestre foi o mais importante para mim: “Você cresceu Ani-chan, agora está pronta para voar do ninho!”
Feliz com meu desenvolvimento, Akira-sensei me levou para conhecer seu próprio Mestre, o único monge budista a viver na Vila. Após reverenciá-lo, eu servi o chá, enquanto ouvia as histórias fantásticas daquela cultura transcendental, exótica e mítica. Art era um iniciado no zen-budismo e seu Mestre era apenas um homem com grande sabedoria nas crenças budistas. E com ele aprendeu a utilizar de forma correta sua própria energia, para encontrar a paz interior.
As férias terminaram e nossa despedida foi emocionada. Recebemos um convite, posso até dizer uma intimação, para um retorno em breve. Tanto eu quanto o Art, tínhamos realmente a necessidade de voltarmos para nosso treinamento com o amigo e Mestre. Eu gostaria de aprimorar a arte da cerimônia do chá e aprender cerâmica com a Tiemi-san. Estava convencida a voltar àquela pequena Vila na Ilha de Amami muitas vezes mais.
Entre um voo e outro tive muito tempo para pensar, registrar cada acontecimento mágico desta viagem. Lembrei da frase do Akira-sensei quando consegui alcançar o equilíbrio. Tudo se encaixava com perfeição em minha mente, como um quebra-cabeça, quando conseguimos colocar as peças centrais e visualizamos a cena completa. Eu recebi uma dádiva ao encontrar o Art e me entregar a este amor puro e pleno. No entanto, foi esta viagem a abrir meus olhos para o meu crescimento e desenvolvimento: Estou forte, confiante e segura. Reconheço meu potencial e talento. Finalmente vislumbrei a minha essência e descobri ser única.
Esta é a verdadeira Anita!


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