sábado, 5 de fevereiro de 2011

Alguns Anos Depois...

Fiquei intrigada ao reler este caderno. Precisei dele durante uma etapa decisiva na minha vida, quando tentava buscar respostas para as mudanças e transformações acontecendo a minha revelia. Quando escrevi a primeira parte tentava compreender as motivações do meu pai para me abandonar e mais tarde, com tantas coisas acontecendo, precisei retornar a ele para ordenar meus pensamentos.


Com o aparecimento da minha mãe, as motivações do meu pai ficaram mais claras para mim. Principalmente quando a Emília me mostrou seu álbum de recortes da Banda LP. Desde a infância ela  guardava as notícias sobre a banda e me permitiu copiar os recortes mais significativos para as mudanças ocorridas com meu pai. Ao unir minhas memórias às reportagens sobre a Roxanne, pude compreender e perdoar o papai com facilidade.


Depois disso ainda desejei entender o que levou Anne a casar com o Ricardo. Lia as notícias sobre ele e me questionava se ela havia sido atraída pela sua beleza, carisma ou talento. Contudo, quando o conheci pessoalmente descobri o verdadeiro homem por trás do comportamento arrogante e descuidado, ele é protetor e carinhoso com a mamãe. Com certeza isso a seduziu nos anos passados distante de mim e de meu pai.


Os últimos recortes e frases remetem ao casamento dos meus pais e à minha primeira viagem ao Oriente. Tantos anos passaram e eu nunca mais voltei a escrever nele. Eu o deixei de lado quando finalmente me descobri: não precisava mais de um confessor ou de um terapeuta. Após iniciar meu aprendizado com Akira-sensei, encontrei a segurança necessária para viver sem muletas ou escadas. Veio a minha memória os momentos marcantes ocorridos desde aquela época.


Ao voltar, Anne me mostrou as últimas notícias e as acrescentei aos meus escritos. Sua barriga despontava, sinalizando os quatro meses de gestação. Foi gratificante acompanhar o crescimento do meu irmão antes mesmo de nascer. A alegria do meu pai com seu segundo filho e principalmente a felicidade da mamãe em ter uma gravidez sadia e finalmente sem subterfúgios. Fez questão de exibir o novo formato do seu corpo em fotos artísticas e hoje decoram sua casa.


Ela e o Art foram comigo para a capital encontrar com o Yanic. O produtor ficou abismado com o meu repertório de clássicos e minhas composições. Todavia preferiu gravar primeiro os clássicos, minhas músicas ficaram em um segundo CD, quando minha carreira de violinista começou a despontar. Selecionamos o material para a gravação, fizemos um pequeno teste de som no estúdio e uma seção de fotos para a capa, cartazes e folders promocionais.


Em Colina Formosa, a gravadora mandou um técnico de som especializado para me auxiliar. Eu passava horas presa dentro do estúdio da Universidade, mas sempre tinha o meu namorado para me dar apoio e incentivar. Meus amigos sempre apareciam para me ouvir, raramente eu praticava no alojamento e eles sentiam falta do som do meu violino. Foi um semestre cheio de compromissos e durante o restante do meu curso de música, a minha agenda ficou cada vez mais lotada.


Quando meu irmão nasceu, não pude visitá-lo no hospital por causa das provas finais. Eu o conheci em casa, era um bebê muito vivaz, sua semelhança com o papai era impressionante. Seu tom de pele e de olhos eram reflexos do Leto. Meus avós não se continham de felicidade ao ver o seu novo neto e ficamos muito comovidos com eles. Desde aquele dia, qualquer mágoa passada foi esquecida e houve realmente um novo começo para toda a família. Lucas anunciou uma nova etapa para todos nós e buscamos nos inspirar na sua luminosidade.


O CD foi lançado um mês após o nascimento do meu irmão e desde então passei metade dos meus dias em aeroportos e aviões. Meu anjo, não me deixava ir sozinha para lugar nenhum. Na realidade, nós dois éramos inseparáveis naquela época, sua presença física ainda era muito importante para mim.


Meus recitais se tornaram cada vez mais concorridos, até eu tocar pela primeira vez no Teatro Municipal da capital. Minha mãe fretou um avião só para levar meus amigos de Colina Formosa, assim como toda a nossa família. Eu incluo os pais e as irmãs do Arthur nesta minha nova e grande família. A menina solitária aprendeu a se relacionar consigo mesma, agora tem vários parentes e amigos. Meu sonho se tornou realidade. Após este espetáculo, meu nome fulgurava entre os melhores da música erudita. Os críticos especializados me aclamavam e minha carreira decolou.


Não percebi a passagem dos anos e em pouco tempo estávamos nos formando. Eu e o Art passamos por toda a cerimônia de formatura lado a lado, junto aos nossos parentes e amigos. Fiquei triste com o término do namoro do Felipe e da Emi, e por vê-los partir de Colina Formosa. A Tânia casou com o Reynaldo e estão programando um filho para depois das eleições, ele se candidatou a Prefeito este ano. Madu conseguiu realizar seu sonho de se tornar concertista e muitas vezes conseguimos agendar uma apresentação juntas.


Um dia antes da colação de grau, me apresentei no Festival da Primavera. Pela primeira vez, meu namorado subiu ao palco ao meu lado e executamos a nossa Sonata de Amor, completamente finalizada. Yanic se encantou com a música. Expliquei a ele, eu não poderia apresentá-la sozinha, era para ser tocada por nós dois. Debatemos o assunto com o Arthur, para ele era importante não ter compromisso, pois não pretendia seguir a minha carreira. Compreendendo a decisão do meu amor, gravamos a melodia em um CD promocional e ela passou a ser tocada em toda parte. Foi um sucesso estrondoso!


Terminada a graduação, tive mais tempo para desenvolver outros estilos de música. Passei a me envolver com o som oriental e o eletrônico. A busca me rendeu muitos elogios da crítica e novos fãs. Nesta época, eu já não contava tanto com a companhia do meu anjo. Após terminar seu mestrado, ele conquistou uma cadeira na Universidade como professor convidado. E só podia viajar nos fins de semana e nas férias. De início foi doloroso para mim não ter a sua presença.


Quando surgiu uma oportunidade de compor trilhas sonoras para o cinema e a televisão, não hesitei e agarrei a oportunidade para diminuir o ritmo dos meus espetáculos e agendá-los no período das férias do Arthur. O restante do tempo, eu passo em casa a executar novas músicas e empreender novas experiências com o violino.


Investi num estúdio próprio em nossa nova casa. Foi projetada pelo Eduardo, no estilo característico da cidade e de acordo com os nossos gostos pessoais. Compramos um terreno próximo ao Teatro Municipal. Meus avós continuam a morar na minha antiga casa, eles pretendiam alugar, no entanto pedi para cuidarem do lugar para mim. Uma boa desculpa para ajudá-los, pois o valor da aposentadoria do meu avô é muito baixo e ele, muito orgulhoso.


A família do Art é maravilhosa, seus pais não mudaram em nada, gentis e carinhosos como sempre. Há dois anos, a Júlia casou com o Henrique, depois de muitas idas e vindas dos dois. Eles se separaram e voltaram muitas vezes no decorrer dos anos. Porém, quando optaram pelo casamento, se tornaram um casal muito estável. Por enquanto, estão preocupados apenas em garantir o sucesso de sua Galeria de Arte. A pequena Abigail se tornou uma bela jovem, muito parecida com a irmã. No próximo ano, vai ingressar no curso de Filosofia da Universidade, notícia que deixou seu irmão entusiasmado.


Todo ano, reservamos um espaço em minha agenda apertada para visitar nossos amigos na Ilha de Amami. No ano passado, eu ganhei uma gata, a Aída. Ela foi filhote de Jiva, motivo suficiente para me encantar com o animalzinho. Desde então, o carinho entre nós cresce a cada dia. Minha gata ama me escutar ao violino e gosta de ficar ao meu lado enquanto toco. Este é o único momento em que fica calma e silenciosa!


Foi maravilhoso acompanhar o crescimento do Hiroshi-kun. Não o vi quando nasceu, apenas na barriga e quando estava com quase um ano. Ao iniciar seus primeiros passos, ele era bem desengonçado ao andar, vivia atrás das borboletas. O pequeno me impressiona como os pais. Com cinco anos, ele se senta para meditar com alegria no olhar. Eu ainda não vejo uma aura de luz a sua volta. Entretanto, sei o grande potencial deste menino sereno, dócil e fascinante. Vai seguir a trilha do Akira-sensei e honrá-lo quando se desenvolver completamente.


Leto continua a investir seu esforço no cultivo orgânico, cuida das duas estufas, a de sua casa e a da minha. Contratou um agrônomo para ajudá-lo com a horta. O Lucas simplesmente nasceu para a agricultura, meu irmão se empolga com as plantas e conversa com elas como se fossem suas melhores amigas. Elas correspondem a esta amizade, estão sempre belas e viçosas. Ele nasceu para cultivar a terra, tem um dom e como eu, o descobriu bem jovem.


Mamãe ainda compõe e escreve músicas. A maioria é apresentada pela cantora Elise Reis, que ficou famosa graças às composições da diva do rock, Roxanne. Os jornalistas a deixaram em paz logo após o nascimento do Lucas e o lançamento do meu primeiro CD. Hoje raramente tem seu nome citado no jornal e nós duas podemos viver tranquilas em Colina Formosa, embora sejamos tratadas como celebridades locais.


Estamos esperando nosso primeiro bebê e mesmo estando no início do segundo trimestre, descobrimos ser uma menina. Art está maravilhado com a vida criada por nós. Não para um minuto de falar com nosso pequeno milagre. Meu anjo está sendo um pai atencioso, tanto quanto tem sido um companheiro excepcional.


Não consigo imaginar minha vida sem o meu amor, temos uma união perfeita e hoje mal precisamos de palavras para nos comunicar. Posso ver-me refletida em seu olhar, sem distorções. Conhecemos não apenas nossos corpos em cada detalhe, mas nossas emoções, sentimentos e mentes. Estamos completamente unidos pelo nosso amor, somos realmente um só ser em dois corpos, dois corações batendo em uníssono a nossa Sonata de Amor.


Fim



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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Imprensa


Revista Caretas – Quarta, 20 de janeiro de 1999

Roxanne em Entrevista Exclusiva!
Há alguns meses atrás, a popular roqueira se retirou dos palcos e foi viver em uma pequena cidade no sul do país. O mais inesperado não foi descobrir sua localização e sim seu casamento com o pai de sua filha de dezoito anos. A carreira de Roxanne como cantora tem dezoito anos e até então, ela nunca havia comentado na mídia a existência de um filho. Conseguimos uma entrevista com a roqueira em sua nova casa em Colina Formosa, após sua volta da lua de mel. Com muito bom humor, ela nos respondeu todas as questões na companhia do marido.
Caretas: Você se retirou dos palcos em julho passado e simplesmente “desapareceu”. O motivo foi seu casamento e sua filha?
Roxanne: O principal motivo foi minha filha, desejava encontrá-la sem os holofotes entre nós. Não tive a intenção de “desaparecer”, apenas me dedicar a um relacionamento até então inexistente, sem interferências externas.
Caretas: E porque seu relacionamento com sua filha era inexistente? Foi por causa da carreira?
Roxanne: Eu fui separada de minha filha logo ao sair da maternidade, uma série de mal-entendidos, equívocos e perda de correspondências acabou por nos afastar durante anos...
O marido de Roxanne a interrompeu e disse: A maior parte da culpa foi minha. Quando a vi fazendo sucesso, fiquei com ciúmes e não tentei nenhuma reaproximação até sua separação do Ricardo Fernandes em 97.
Caretas: Quer dizer que seu afastamento nunca foi voluntário?
Roxanne: Claro que não! Eu sempre desejei ter meu bebê de volta em meus braços. Nunca pretendi me afastar, muito menos por causa da carreira. Eu largaria toda a fama, sucesso e fortuna para estar ao seu lado nos últimos dezoito anos. Mas eu nunca soube aonde ela vivia.
Caretas: Sua filha tocou violino no seu casamento, isso quer dizer que vocês têm um bom relacionamento agora?
Roxanne: Minha filha além de muito talentosa, é um verdadeiro anjo, quando soube de toda a história foi compreensiva com os nossos erros e nos perdoou. Hoje é minha maior companheira e confidente. Acredito ser o mesmo para ela. Um relacionamento melhor é realmente impossível. Talvez, por não termos convivido mais tempo juntas, temos um relacionamento tão maravilhoso!
Caretas: Então, depois de receber o perdão da sua filha, você e o pai resolveram se casar após tantos anos separados. Vocês sempre se amaram?
Roxanne responde após muitas risadas e troca de olhares com o marido: Não posso negar que sempre nos amamos. Obviamente, como disse antes, todos os mal-entendidos do passado pesaram em meu coração e por algum tempo nosso amor esfriou. Mas na verdade, antes mesmo de receber o perdão da minha filha, nós já estávamos decididos a dar uma chance para este amor novamente. E com certeza não nos arrependemos!
Caretas (sem graça pelo climão que pintou na sala): E agora, quais são os planos para o futuro?
Roxanne: Pretendo continuar a viver nesta cidade, mantendo minha carreira como compositora e no futuro próximo me dedicar a família. Finalmente vou ser mãe e esposa como sempre sonhei.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Um Novo Aprendizado

Na tarde do dia de Natal, já estávamos com as malas prontas e esperando o carro do aeroporto na porta do alojamento. Estava ansiosa com a viagem, eu sabia como o Akira-sensei era importante na vida do Art. Vivia falando dos bons momentos passados com ele, sua esposa Tiemi-san e o gato Jiva. Não resisti e perguntei ao meu namorado se eles gostariam de mim. Ele me abraçou e disse muito sério: “Anjo, quem não gosta de você? Se olharem dentro dos seus olhos vão enxergar toda esta beleza, inocência e pureza inerentes ao seu ser. Como os conheço bem, sei que vão enxergar tudo isto e muito mais!”


Quando o carro chegou, ele me pediu para sentar enquanto colocava as malas no bagageiro. Não me deixou nem ajudar. Eu sempre me admiro com o seu cavalheirismo. É tão raro encontrar um jovem como Arthur nos dias de hoje, ele me impressiona sempre ao puxar a cadeira para mim, ao abrir as portas e segurá-las até a minha passagem... Pode parecer um tanto fútil para a maioria, mas demonstra seu desvelo e para mim isso é muito importante.


No nosso segundo voo, lembrei dos meus pais, provavelmente estariam chegando à casa de praia da Anne, em uma Ilha afastada dos grandes centros. Desta vez meu pai deve se comportar como um homem comprometido. Seja como for, eles pretendem aproveitar a lua de mel. Quando penso na beleza das palavras do papai durante a cerimônia, eu ainda me emociono. Não só por perceber o quanto é importante para ele o amor da mamãe e sim, por sentir o mesmo tipo de amor pelo meu anjo. Tal pai, tal filha.


Tivemos uma viagem de setenta e duas horas exaustivas, passadas entre vários aeroportos, trocas de aviões e viagens de carro. Ao chegar à pequena Vila, na Ilha de Amami, eu fiquei encantada com a paisagem. O lugar era acolhedor e nossos anfitriões nos esperavam em seu maravilhoso jardim. Eu mal acreditei na admirável recepção.


Tiemi-san fez uma reverência tradicional do local, eu olhava maravilhada para sua beleza exótica e mignon, emoldurada pelo seu belo quimono florido. Sua tez era perfeita e dispensava maquiagem. Eu imaginava os dois como idosos, porém pareciam ter menos de trinta anos.


Antes das apresentações de praxe, Art reverenciou seu Mestre. Akira-sensei parecia surpreso com a deferência do seu pupilo, pediu para parar com aquilo e o puxou num abraço. Ele o tratava como um grande amigo e não como seu discípulo. Aquilo me agradou muito! Tinha algum receio dentro de mim em relação à postura de Mestre Oriental, a distância e a reserva tão proclamadas não existia entre os dois.


Sua bela esposa me mostrou o maravilhoso jardim, com uma frase reconfortante em minha língua natal: “Seja bem-vinda, este recanto é tão seu quanto nosso. Fizemos um chá para recepcioná-los, é nossa acolhida tradicional!” Sua fala era arrastada e lenta, havia decorado cada palavra, eu creio. Pois só seu esposo fala fluentemente a nossa língua.


Antes de me sentar para o chá, não resisti a afagar o Jiva. É um gato muito dócil, veio direto para mim, quando desceu da sua cesta na varanda. No futuro, eu vou ter meu próprio gato, com certeza vou!


Sentei-me ao lado da Tiemi-san enquanto ela servia o chá, os rapazes haviam levado a bagagem para dentro de casa. Ela fez questão de me explicar como funcionava a cerimônia do chá, a forma certa de servir, como virar a xícara ao tomar a bebida. Detalhes, aparentemente insignificantes para nós ocidentais. Entretanto fazia parte de uma cultura milenar e tradicional, nós como hóspedes deveríamos observar, aprender e respeitar.


Eles voltaram em pouco tempo e se uniram a nós, o chá ainda estava sendo servido, mas a animação evidente no semblante do meu amor me deixou menos ansiosa. Eu não tenho hábito de tomar chás, muito menos de observar detalhes de uma cultura tão diferente. Meu medo de errar e fazer algo estúpido era enorme!


O incrível foi simplesmente perceber a minha angústia se dissipar rapidamente. Não foi por causa do olhar do Art, mas do seu Mestre. É um olhar brilhante, vivaz, sem censuras ou cobranças. Aqueles olhos de ébano são profundos e luminosos como nunca vislumbrei antes. Ele tem realmente um dom, de inspirar paz ao seu redor. Faz o ar a sua volta se tornar mais puro, as emoções se harmonizarem, os pássaros cantarem, as árvores murmurarem felizes ao balançar suavemente suas folhas. Algo etéreo acontece apenas com a sua presença.


Por fim, não era nenhuma cerimônia tradicional, apenas um chá para recepcionar amigos exaustos e demonstrar seu apreço como anfitriões. Ficamos ali conversando por alguns minutos agradáveis, sobre o quanto foi desgastante a viagem, a beleza da Vila, os recantos aos quais Arthur pretende levar-me.


Após a bebida reconfortante, os dois resolveram meditar no jardim. Eu fiquei espantada com a disposição de meu namorado. Afinal veio cochilando junto comigo por todo o percurso de carro até eu acordá-lo. Eu despertei ao ouvir o inglês confuso do motorista dizendo: “Chegamos à Vila!”


Tiemi-san me levou diretamente ao nosso quarto. Sabia o quanto eu deveria estar cansada e me mostraria a casa toda mais tarde. Eu encontrei um ambiente espaçoso, com um violino no centro, cheio de livros e um belo futon para casal. Fiquei encantada com a simplicidade e beleza de tudo. No entanto, o violino ali indicava o que eu sempre imaginei. A música é essencial para o Art, embora tente negar, aquela era uma prova da importância do instrumento na sua vida.


Inspecionado todo o cômodo, minha nova amiga me ofereceu outra opção, ela cederia sua cama para mim. Por um instante devo ter passado a impressão errada quando olhei para o violino, eu declinei rindo e ouvi seu suspiro de alívio em seguida. Por fim, falou sobre ter água quente no ofurô esperando para o nosso banho e se ofereceu para me fazer uma massagem revigorante. Eu deveria aproveitar o dia e não dormir até a noite, para me adaptar ao fuso horário mais rápido.


Estava relaxando imersa na água quente há algum tempo, quando meu anjo se juntou a mim. Eu sentia urgência da sua companhia. Precisava entregar-me aos seus beijos, seus carinhos, aos seus braços. Estava esfaimada do seu gosto, do seu perfume, da sua paixão. Totalmente aliciada pela sua presença.


Após nosso demorado banho, Tiemi-san bateu à porta. Nem sei dizer, se ela estaria esperando o término para entrar, ou se intuiu ser a hora certa. Seja como for, sua entrada aconteceu segundos depois do Arthur se enrolar na toalha. Sabia o motivo de sua vinda, me deitei sobre a mesa de massagens, me entreguei ao seu toque firme e gentil. Como ela havia comentado antes, eu não tive sono. Pelo contrário, me sentia muito mais alerta.


Para aproveitarmos o restante da tarde, fomos passear pela Vila. Meu amor me abraçou em frente à praça central e me perguntou se eu preferia me alimentar antes de ir às termas. Eu estava faminta e ele provavelmente também, aceitei prontamente seu convite para um almoço tardio.


Não fomos a nenhum restaurante, era um quiosque onde se vendia a comida mais tradicional da Vila, frequentado pelos habitantes da região. O cozinheiro serviu a comida em cumbucas e ofereceu apenas os hashis, no lugar dos talheres. Mais experiente, Art me ensinou como usá-los e em pouco tempo me adaptei a eles.


Andamos apreciando a paisagem e paramos na casa de banhos. Meu namorado afirmou ser revigorante mergulhar nas termas de pedra quente. Era o melhor passeio para nosso primeiro dia, ajudaria a nos manter acordados por mais tempo, sem prejuízo para nossos corpos, até nos acostumarmos com o fuso horário.


Fizemos algumas compras antes de voltarmos para a casa dos nossos anfitriões. Meu anjo comprou um quimono de seda para eu usar no ano novo. Fiquei encantada com o presente. Comprei algumas joias típicas da região para mim e para a minha mãe. Além de procurar algumas lembranças para meus amigos.


À noite, quando chegamos, fomos direto para cama. Dormi aconchegada ao peito do meu anjo. Eu fiquei durante um tempo, em um estado de torpor, apreciando a sensação de ser amada. Eu podia sentir naquele contato toda a felicidade do meu namorado por estar comigo. Seu desejo pela minha presença era tão forte que preenchia todo o quarto, fluía pelo ar. O mais estupendo é o fato de poder perceber tudo isto, sem dúvidas, incertezas, medos ou inseguranças. Eu sou definitivamente muito amada!


No dia seguinte, continuamos a explorar um pouco mais da Vila. Arthur me brindava com seu conhecimento, me contou sobre a crença de se jogar uma moeda para reverenciar os deuses antigos, uma tradição milenar que se manteve através dos anos. Jogamos juntos um penny, esperando sermos favorecidos com a graça das divindades ancestrais.


Durante a tarde, uma chuva torrencial caiu e nós voltamos para casa. Nossos amigos nos aguardavam dispostos a me ensinar a jogar mahjong. Não houve estiagem e ficamos até a noite na varanda, nos divertindo ao agrupar as peças do jogo, com uma conversa agradável, ouvindo a água cair sobre o telhado e sentindo o cheiro de terra molhada.


Mais tarde, nós nos entregamos aos nossos anseios sobre o futon. Ficamos unidos e parados, nos encantando apenas com a comunhão dos nossos corpos. Desejávamos eternizar aquele momento, envolvidos pelo calor emanando de nós, a sensação de total preenchimento e integração. Arrebatados pela nossa sonata, tocando sem cessar em nossas mentes, ela parecia reverberar por toda a casa.


Art me explicou tudo sobre a cultura local naqueles dias, meu último desafio foi rastelar um jardim zen. Eu deveria limpar a minha mente e deixar marcas na areia. Buscar a harmonia, fora e dentro de mim. Olhei para o meu namorado um tanto insegura quanto ao que fazer e ele me falou: “Anjo, é só esvaziar a mente. Se for muito difícil, deixe apenas a música fluir, como se estivesse tocando seu violino.” Depois desta informação, ficou bem mais fácil e consegui entender o objetivo. Não é sobre a beleza externa, é sobre a paz interior.


Na véspera do ano novo, eu já estava completamente apegada ao Jiva. Quando eu estava em casa, o gato me seguia para todo lado, se esfregando em minhas pernas em busca de carinho, irresistível! Ele pensava como um ser humano e sabia da minha incapacidade de ignorá-lo.


Nós almoçamos todos juntos naquele dia, visando prosperidade e fartura através do cardápio tradicional de passagem de ano. Finalmente, notei o quanto nossos anfitriões são apaixonados. Àquela mesa não havia apenas uma boa comida, mas grandes amores.


Tiemi-san me ajudou a colocar o quimono para passarmos o ano no pequeno templo budista assistindo a cerimônia do Joya no kane. Consiste em ouvir cento e oito badaladas que representam os desejos mundanos do homem, o tocar do sino purifica o ser para o próximo ano. O mais importante foi a companhia admirável daquela família e principalmente do meu anjo.


Ao voltarmos, os rapazes haviam preparado alguns fogos de artifícios para comemorar do modo ocidental. Ficamos admirando o pequeno espetáculo, felizes por estarmos unidos naquele instante. Eu relembrei todos os acontecimentos do ano passado e parecia ter transcorrido uma vida inteira. Tantas transformações, mudanças e descobertas num único ano. O que estará reservado para mim neste novo ano?


Na manhã seguinte acordei nos braços do meu anjo, como tem sido sempre, desde o começo do nosso namoro. Tenho a sensação de pertencer àqueles braços, e nem imagino como será se um dia eu precisar dormir afastada deles! Eu já havia conhecido toda a Vila, mesmo sendo muito pequeno o lugarejo é lindo. Reconhecendo ter feito seu papel de cicerone, Art pretendia participar dos treinamentos diários com Akira-sensei e falou: “Anjo, eu gostaria muito de ter você ao meu lado nos treinamentos, são apenas algumas horas pela manhã. Contudo vou entender se preferir passear sozinha ou aprender cerâmica com a Tiemi-san.”


A princípio, não fiquei muito empolgada com a ideia. No entanto, ao ver o Mestre em estado meditativo no jardim zen fiquei fascinada. Seu corpo estava envolto por um halo de luz branca. Ele emanava paz e harmonia para todos a sua volta, eu estava totalmente arrebatada por esta cena e pela serenidade em seu semblante.


Neste momento, fui aliciada a me unir às meditações matinais, a cada dia me sentia mais plena e fortalecida. Eu já havia meditado outras vezes e sempre me ajudou muito, porém na presença do Mestre eu percebi a diferença. Foi um salto quântico, me estimulou a mergulhar profunda e intensamente de encontro à minha essência.


Perguntei a Tiemi-san o motivo de não se juntar a nós pela manhã. Ela comentou ser muito mais fácil entrar em estado meditativo ao confeccionar seus vasos e ânforas. Minha nova amiga era uma ceramista incrível e seu trabalho admirável. Compreendi rapidamente a sua explicação, eu também entrava em um estado de integração ao tocar meu violino.


Mesmo assim, estava disposta a continuar a aprender com Akira-sensei. Ele me intrigava com sua boa disposição, o humor tranquilo, o olhar penetrante, a força, a firmeza e a segurança. Junto a tudo isto havia uma suavidade o envolvendo, me estimulando a buscar e ansiar pelos seus ensinamentos.


À noite, quando não estávamos entretidos com o mahjong, eu tocava para os meus anfitriões. Até o Jiva aparecia para me ouvir. Eu admirava não só o meu namorado, com seu olhar carinhoso e doce, mas o nosso casal de amigos. O amor dos dois vibra tão intensamente quanto o próprio Akira-sensei.


Tiemi-san procurou ensinar-me um pouco sobre o chanoyu, a tradicional cerimônia do chá. Aprendi os rudimentos da cerimônia, ela me explicou ser um aprendizado demorado, com uma estética única. Reservei um horário no final da tarde na casa de chá local e empreguei meus parcos conhecimentos, para agradecer ao meu amor pela maravilhosa viagem. A cultura local me influenciou a buscar a verdadeira beleza da simplicidade, cultivar a paciência e desenvolver a firmeza interior. No final, Arthur esqueceu todo o cerimonial e me agradeceu do nosso jeito tradicional, me dando um beijo doce e quente, como o chá.


Em nossos banhos prolongados no ofurô nos envolvíamos em simples carinhos. Entretanto, entre nós o amor e o desejo estão intrinsecamente interligados. Não conseguimos nos beijar sem ouvir a nossa música e muito menos sem nos entregarmos completamente a uma união. A necessidade de estarmos próximos era premente, parecia aumentar embalada pela beleza e exotismo local.


Nós passamos a estudar violino juntos, dispostos a interpretar nossa sonata. Como só existia em nossas mentes, era preciso encaixar cada nota e acorde. A ajuda do Art me acompanhando foi essencial para o sucesso rápido da nossa empreitada. Durante o mês de janeiro progredimos muito e conseguimos acertar a melodia inicial. Todavia o ponto primordial para manter a integridade da música eram os beijos.


Como sempre, nos deixávamos levar pelo momento e o doce calor a nos envolver. Meu namorado sempre ansioso por mais, correspondia a minha libido com perfeição. Muitas vezes acabávamos deitados em cima do tapete, buscando saciar nossa sede. Esta rede intricada a nos unir, vai além do desejo dos nossos corpos, é completude e entrega.


Quando finalizamos parte da nossa música, a apresentamos aos nossos anfitriões. Eles assistiram com um sorriso espontâneo nos lábios, me deixando confiante de estar no caminho certo. Com mais tempo e alguns ajustes, conseguiríamos aperfeiçoar a melodia. Havia em mim a segurança para levar a sonata o mais perto possível da perfeição.


No início de fevereiro, nossa viagem estava no fim. Aprendi a encontrar e manter a paz interior, durante a meditação. Eu aprimorei meu Tai Chi Chuan e estava fazendo toda a série de movimentos com a dedicação, o equilíbrio e a harmonia desejados. Quando alcancei a perfeição dos movimentos, o reconhecimento do Mestre foi o mais importante para mim: “Você cresceu Ani-chan, agora está pronta para voar do ninho!”


Feliz com meu desenvolvimento, Akira-sensei me levou para conhecer seu próprio Mestre, o único monge budista a viver na Vila. Após reverenciá-lo, eu servi o chá, enquanto ouvia as histórias fantásticas daquela cultura transcendental, exótica e mítica. Art era um iniciado no zen-budismo e seu Mestre era apenas um homem com grande sabedoria nas crenças budistas. E com ele aprendeu a utilizar de forma correta sua própria energia, para encontrar a paz interior.


As férias terminaram e nossa despedida foi emocionada. Recebemos um convite, posso até dizer uma intimação, para um retorno em breve. Tanto eu quanto o Art, tínhamos realmente a necessidade de voltarmos para nosso treinamento com o amigo e Mestre. Eu gostaria de aprimorar a arte da cerimônia do chá e aprender cerâmica com a Tiemi-san. Estava convencida a voltar àquela pequena Vila na Ilha de Amami muitas vezes mais.


Entre um voo e outro tive muito tempo para pensar, registrar cada acontecimento mágico desta viagem. Lembrei da frase do Akira-sensei quando consegui alcançar o equilíbrio. Tudo se encaixava com perfeição em minha mente, como um quebra-cabeça, quando conseguimos colocar as peças centrais e visualizamos a cena completa. Eu recebi uma dádiva ao encontrar o Art e me entregar a este amor puro e pleno. No entanto, foi esta viagem a abrir meus olhos para o meu crescimento e desenvolvimento: Estou forte, confiante e segura. Reconheço meu potencial e talento. Finalmente vislumbrei a minha essência e descobri ser única.
Esta é a verdadeira Anita!



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