sábado, 6 de novembro de 2010

A História dos Meus Pais

Andamos em silêncio e meu namorado me amparou durante todo o percurso até a casa do meu pai. Eu gostei de sua demonstração de cuidado e zelo. No entanto, desejava caminhar sozinha e aproveitar o momento para refletir sobre toda a minha confusão interna. Os sonhos das últimas noites me afetaram, tanto quanto o encontro com Anne na festa de ontem.


Ao nos aproximarmos, fiquei impressionada com a mudança do exterior em apenas uma semana. Após mais de dez anos de tijolos aparentes e decadentes, uma fachada limpa e reformada se apresentava. Anacleto não havia comentado nada quando nos encontramos, por isso mesmo eu me surpreendi com a pintura externa e a instalação de uma pequena fonte em frente a entrada da estufa. Evandro achou a casa “aconchegante” e estava prestes a tocar a campainha quando expressei meu desejo de ficar sozinha com meu pai.


Ainda assim ele se manteve ao meu lado, dizendo desejar cumprimentar papai antes de partir. Não só para tirar qualquer má impressão dos encontros anteriores, como para averiguar meu bem-estar. Sua declaração era impertinente e intrometida, todavia demonstrava sua real preocupação. Por isso não comentei nada e o deixei realizar seu intento.


A porta se abriu, Anacleto com genuína alegria nos cumprimentou e convidou a entrar. Receei o ingresso do Evandro, ele parecia muito curioso para conhecer o lugar onde vivi minha infância e sua insistência em adentrar me incomodava. Uma vez dentro, meu pai mostrou a sala e a cozinha, os dois ambientes se mesclam, são separados apenas por meia parede.


Percebi algumas malas e caixas amontoadas próximas a porta fechada do quarto, mas não imaginei o significado daquela bagagem. Após observar a sala e a cozinha por alguns minutos, e uma rápida troca de gentilezas com o papai, meu namorado resolveu se despedir. Talvez por notar sua felicidade ao nos receber e a minha tranquilidade incomum, diante dos esclarecimentos a serem prestados.


Com a saída do Evandro, meu pai demonstrou sua apreensão. Esquivando do assunto a me levar até sua casa, me ofereceu um suco com frutas frescas do seu pequeno pomar. Sem esperar minha resposta, ligou o processador e bateu meu suco favorito. Aceitei a espera, mesmo sabendo estarmos adiando o inevitável. Tomei o suco rapidamente e elogiei o preparo, além do sabor perfeito do limão batido com morango. Finalmente nos encaminhamos para sala com o propósito de conversarmos.


Estava ansiosa e curiosa, nem o esperei sentar, perguntei diretamente o motivo de ter omitido toda a história da minha mãe. Acomodado ao meu lado, deu sua resposta demonstrando o quanto se arrependia do seu erro, devido à imaturidade e ao orgulho. A culpa e o remorso o corroíam por dentro, tanto por não me contar a verdade quanto pelo seu papel no passado. Notei ele engolir a saliva com dificuldade antes de afirmar ter sido covarde, sua única desculpa era ser jovem demais e despreparado para a vida.


Começou contando sobre o meu avô, pai de Anne e primo da minha avó paterna, um roqueiro sem sucesso e viciado em drogas pesadas. Ele vivia na estrada e deixava a filha na casa dos meus avós paternos, sua única família, quando estava fora da cidade. A vida conturbada, desregrada e malsucedida o levou à morte pelo excesso de drogas.


Sem qualquer opção, minha mãe foi morar com os primos, o que não era nenhuma novidade para ela. Contudo, estava completamente órfã e entristecida pela perda do pai. Sua profunda amargura e o pranto inconsolável era uma constante durante os dias seguintes a sua mudança.


Anacleto é seu primo em segundo grau e nasceu alguns dias antes dela, desde muito cedo os dois se conhecem, mantendo laços de amizade e companheirismo. Vendo a prima desolada, procurou ajudá-la amparando e consolando. A princípio sua intenção era estimulá-la a comer, dormir e sair do estado de prostração no qual se encontrava.


Interrompi sua narrativa e lhe pedi para não me contar esta parte. Evidentemente os dois se enfiaram debaixo das cobertas antes mesmo de descobrirem como usar um contraceptivo. Não havia espaço para dúvidas, eles dormiram juntos sem medir as consequências e eu nasci. Na verdade eu desejava saber o motivo do afastamento da minha mãe, queria explicações quanto a isso.


Papai contra-argumentou, precisava esclarecer o quanto foi intenso seu relacionamento com Anne. Almejava a minha compreensão diante dos sentimentos profundos dos dois na adolescência. A cumplicidade aconteceu desde muito cedo e se preocupavam verdadeiramente com o amor crescente entre eles, a princípio fraternal.


Durante a adolescência a atração surgiu forte. A presença inconstante da prima na casa, não deu espaço para um namoro, até ela se mudar permanentemente para lá. Não fora apenas os hormônios a levarem os jovens para os braços um do outro. Existia um amor verdadeiro, puro e inocente a atar os dois.


Como qualquer outro casal, o desejo de unir seus corpos fazia parte da concretização deste amor. E se entregaram a natureza com o medo e a inocência de duas crianças ao descobrir a paixão. Encobriram a essência do seu relacionamento dos meus avós, com receio de os afastarem.


Quando percebeu estar grávida, minha mãe ficou muito feliz com o fruto deste amor, apesar de toda angústia de ser adolescente, órfã e viver de favor. Mais despreparado e covarde, apesar do amor crescente por Anne, Anacleto preferiu esconder a gravidez dos seus pais.


Só um adolescente mimado de classe média para pensar que ninguém ia saber de nada até ser tarde demais. Acreditava que ao descobrirem cuidariam da linda criança por nascer, enternecidos com o fato de se tornarem avós. Mamãe, mesmo percebendo o erro, camuflou a barriga usando roupas largas e apertando-a com uma cinta. Conseguiu disfarçar bem a gravidez durante os meses de gestação.


Aos sete meses, sentiu as primeiras contrações e a bolsa rompeu ainda na escola. Ela não havia consultado nenhum médico durante este período e manter a barriga sob pressão acabou levando a um parto prematuro. Por sorte, embora eu tenha nascido pequena, estava muito saudável e saí do hospital em poucos dias. Foram os únicos nos quais convivemos juntas afinal.


Meu avô ficou revoltado com o relacionamento entre os dois. Para ele, o pai de Anne era um imoral e a filha seguiu o mesmo caminho. Colocou toda a culpa nela, enquanto papai se calou, apavorado com tudo e sem nem ao menos defender minha mãe. Ele se acovardou diante de tanta fúria. Não soube proteger sua amada, ainda não tinha completado dezesseis anos e não imaginava como suportar aquela situação.


Quando ela chegou do hospital, comigo em seus braços, meu avô a expulsou de casa; em suas palavras, não desejava uma “desavergonhada seduzindo o filho”. Mamãe me segurava com força procurando proteger-me de alguma forma daquelas palavras duras. Ele foi categórico, arrancando-me de seus braços, ela deveria ir e deixar a filha aos cuidados de gente descente. Não podia deixar uma “meretriz ingrata” cuidar de seu próprio sangue.


Faltando dois meses para completar dezesseis anos, sem opção e insegura de como proceder diante de tanta intolerância, ela se despediu de mim. As palavras duras do meu avô, minha avó submissa acatando a ordem do marido e meu pai acovardado formavam o cenário lúgubre daquela manhã de inverno. Para Anne restava apenas a esperança de um futuro onde pudesse estar comigo novamente em seus braços.


Meu pai parou sua narrativa por um instante, lágrimas teimosas rolavam pelo meu rosto. Fiquei triste pelo desfecho infeliz, por nunca ter conhecido o amor de uma mãe devido a moral retrógrada do meu avô. Contudo após o incidente, quando conseguiu conquistar uma posição favorável no mundo, ela não me procurou. Eu desejava saber o porquê.


Suspirei alto, papai me trouxe de encontro ao seu ombro e continuou a história. Mesmo acovardado com a situação, ele ligou pedindo um táxi, pegou as economias de seu cofrinho e correu chorando pela rua atrás dela. Minha mãe tentou ser forte pelos dois e disse para ele não se preocupar. Tudo iria dar certo, o amor é mais forte e venceria no final.


Desanimado e sem saber como agir ele pediu a ela para ficar, a esconderia em casa quando os pais dormissem. Com o tempo eles se arrependeriam e a aceitariam de volta. Sabendo ser infantilidade do namorado se recusar a enxergar sua situação, Anne apenas sorriu de seu gesto ingênuo e acariciou seu rosto com emoção.


Papai em um impulso estava determinado a seguir ao seu lado. A prima se negou a me deixar sob o jugo dos avós. Desejava a sua presença na minha criação, ofertando todo o seu amor. Ela iria encontrar um meio de me pegar de volta, de estar conosco novamente. Iria voltar para nós.


Anacleto lhe roubou um último beijo, pouco antes de admirá-la caminhar na direção do táxi. Ficou observando o carro sumir no horizonte esperando ser uma miragem. Almejando o retorno de sua amada em breve, sem ter qualquer ideia de onde ela poderia encontrar abrigo. Sem compreender o quanto a vida seria difícil para Anne a partir daquele instante.


Minha cabeça ainda repousava em seu ombro, meu pranto silencioso umedecia meu rosto quando senti sua mão tremer sobre minha cabeça. Seu relato o emocionara tanto quanto a mim. Estava prestes a abraçar meu pai e buscar confortá-lo, todavia fui interrompida pela entrada de Anne, completamente despida.


Suas faces enrubesceram ligeiramente, fiquei feliz por ter herdado o seu tom de pele alvo e não sua propensão a corar quando envergonhada. Ela não devia saber da minha vinda, parecia totalmente desconfortável e nervosa com a situação. Após poucos segundos de surpresa, correu para o quarto.


Voltou composta em menos de um minuto. Apesar da circunstância comprometedora e constrangedora, ela realmente parecia feliz em me ver. Observei a minha mãe vestida com roupas comuns, sem maquiagem, os cabelos pretos emoldurando seu belo rosto, os olhos azuis-esverdeados brilhando intensamente e o amor vibrando por todo o seu ser. Não era uma estrela de rock inatingível, era uma bela mulher acessível e totalmente disposta a estar ao meu lado.


Precisava desvendar suas motivações, o porquê de afastar-se e não cumprir sua promessa ao meu pai. Suportei seu beijo na testa com indulgência e ao mesmo tempo com uma sensação de júbilo irreal. Eu não deveria estar disposta a aceitar sua volta e esquecer os dezoito anos de distanciamento. Entretanto seus modos e sua aura de afeição me tocaram sobremaneira. Sua emoção era sincera e seduzia os meus sentimentos a corresponderem.


Anne sentou ao meu lado, com seu olhar terno fixo em mim. Papai resumiu brevemente nossa conversa e observou ser melhor ela contar o restante. Apreensiva, concordou com ele e se voltou para mim. Eu estava ansiosa para desvendar os motivos de nossa separação, repleta de questões, mas não ousava perguntar. Todo o meu conhecimento sobre sua vida após nossa separação se resumia na sua carreira como roqueira e seu sucesso desde os meus três anos de idade, usando o nome artístico de Roxanne.


Retomou a história a partir da sua entrada no táxi. Estava preocupada, pois não tinha nenhuma amiga íntima na escola. Entre os conhecidos de seu pai, havia apenas os seus companheiros de banda. Eram todos estranhos e alguns tão viciados quanto ele, mas sempre a trataram bem.


Com a lembrança, pediu ao motorista para estacionar no primeiro telefone público e dispensou o carro. Não só porque precisava economizar cada tostão, como também para telefonar ao único componente da banda a se manter “careta” a maior parte do tempo. Rezando para eles não estarem na estrada.


Após o telefonema, Ricardo não demorou muito tempo para socorrer sua “pequena”, como a chamava desde o ingresso de seu pai no grupo de rock formado pelos irmãos Fernandes. Aparentemente limpo e sóbrio, estava com roupas comuns e pouca maquiagem no rosto.


Resumindo a história, Anne contou sobre sua expulsão de casa. Foi o suficiente para o roqueiro ficar indignado, falando mal do povo mesquinho e retrógrado, por não entender a alma de um verdadeiro artista e querer reprimir o que não entendiam. Na verdade falava mais sobre si mesmo. Comentou sobre estar prestes a se mudar para a capital, onde ia se juntar aos irmãos e procurar um novo baixista. E a convidou para se unir a ele.


Sem muita opção e receosa de ficar sozinha, ela aceitou. O destino ditava regras de formas indecifráveis e sem saber questionar ou se mover em outra direção, seguiu aquele caminho. Mesmo sentindo um aperto no coração por se afastar dos seus dois amores, não conseguia pensar em outra possibilidade naquele momento.


Após uma longa viagem de oito horas em um velho fusca, chegaram a cidade grande de madrugada e pararam em frente a um prédio reconhecido por ser um “pardieiro”. Thiago havia encontrado o edifício em um bairro nobre, porém com um aluguel de baixo valor, graças à má fama do lugar.


Ao entrar num pequeno apartamento de quarto e sala, um verdadeiro “muquifo”, além da bagunça encontrou o irmão de Ricardo tocando guitarra completamente desnudo na sala. Um hábito muito arraigado do artista, principalmente quando utilizava drogas potentes.


O tempo passou lento e naqueles primeiros dias Anne se remoía tentando encontrar uma solução para seus problemas realmente imensos, ainda mais na cabeça de uma jovem adolescente. Sentia muitas saudades de casa, do namorado e de mim. A vida com os dois roqueiros também não era muito agradável, no entanto estava agradecida por ter um teto e um pequeno canto na sala, onde podia dormir.


Eles só notavam a sua presença quando começava a chorar convulsivamente. E tentavam por todos os meios consolá-la. Apesar de serem alucinados, isso não os impedia de serem sensíveis quando sóbrios. Após uma conversa com Ricardo, o mais amigável dos dois irmãos, ele a convenceu a ligar para Anacleto e saber de mim.


Contudo, quem atendeu no primeiro toque foi minha avó; e a declaração era de oposição aos dois se falarem, de acordo com as ordens do meu avô. Todavia, com pena da prima, Amélia acabou contando sobre eu estar passando muito bem, havia arrumado um banco de leite materno e comentou sobre a minha saúde perfeita, além da minha tranquilidade nata.


Meu pai interrompeu a narrativa de Anne para comentar sobre ter encontrado um emprego e começado a trabalhar depois das aulas. Sua intenção era juntar dinheiro para fugir de casa comigo. Aproveitando o ensejo, resolvi perguntar se nunca tentou nos contatar por outros meios.


Ela abaixou a cabeça e uma pequena lágrima rolou por sua face. Explicou sobre a falta de dinheiro na qual viviam. Os rapazes ainda não haviam encontrado um baixista e faziam bicos em outras bandas, sem ganhar muito. Geralmente passavam fome, pois na maioria das vezes gastavam tudo com drogas. As economias, ofertadas pelo Anacleto, serviram apenas para ela não morrer de inanição em seu primeiro mês. Na cidade grande, para uma adolescente arrumar emprego precisava da permissão de um responsável ou fazer algum serviço ilícito.


Tentou mandar cartas, entretanto era sempre sua prima a responder. As repostas eram negativas a uma aproximação com meu pai, porém mandava ao menos uma ou duas fotos minha, assim como notícias sobre meu peso, altura... Coisas de mãe, as quais mantiveram sua sanidade naquele começo difícil na Capital.


Foi levando a vida assim nos primeiros meses. Contentando-se com as migalhas oferecidas pela minha avó e convivendo com dois rapazes completamente desregrados e seus sonhos de sucesso. Ela não entrou muito em detalhes, mas ficou subtendido o quanto foi difícil lidar com os dois. Eu não posso imaginar as vicissitudes pelas quais passou, contudo seu semblante conturbado comprovava o teor de seus infortúnios.


Depois de alguns meses em busca de um baixista, Ricardo finalmente lembrou da capacidade musical de Anne. Seu pai ensinou-lhe a tocar o baixo, desde o início de sua adolescência. Apesar de estar destreinada e com os dedos ainda fracos, seu dom natural para a música lhe rendeu alguns ensaios com o grupo.


Percebendo seu grande potencial, os roqueiros desistiram da procura de um novo baixista e a escolheram para completar a formação do grupo. Uma garota tocando iria chamar atenção e fazer muito sucesso com o público. Ela não hesitou, agarrou sua oportunidade de ganhar algum dinheiro concordando com a proposta.


O cantor da banda tinha certeza sobre o visual de minha mãe não se encaixar no perfil de uma roqueira. Levou-a até a vizinha, uma estilista frustrada e pediu uma reforma para a jovem. Como Ricardo sabia usar de persuasão e o seu chame pessoal, seduziu a moça obtendo sua ajuda, apenas com insinuações sobre a lamentável aparência da menina.


Milene cortou seus cabelos e sugeriu uma maquiagem mais pesada, as roupas deveriam ser compradas aos poucos a cada apresentação. Nasceu assim a Roxanne, um nome mais forte e perfeito para sua nova vida de roqueira, segundo o Ricardo. Ela aceitou a remodelagem tentando encarnar o novo personagem e a nova imagem.


Antes das suas apresentações noturnas em um “inferninho” do centro da cidade, Anne ligava para nós procurando por notícias, Amélia continuou a lhe dar algumas migalhas. Porém, após um ano de telefonemas, não conseguiu mais completar as ligações e isso se repetiu por várias noites. Minha mãe tentou desesperadamente descobrir com a operadora da cidade um novo número dos primos, mas o telefone foi bloqueado para consulta e não poderiam informar o número. Suas cartas não eram mais respondidas e voltavam.


Mamãe se dedicou à nova carreira, tentando esquecer a dor de ficar sem notícias nossas por meses. Juntando cada centavo para voltar a cidade e procurar por nós. Sua sorte mudou quando um agente da indústria musical se interessou pela baixista da banda e perguntou se ela podia cantar. Ricardo, apesar de ser o vocalista, não discutiu e a fez cantar assumindo o baixo. Se ele precisasse tocar para fazer sucesso, naquela época não estava nem ligando.


Ela cantou um tanto receosa; quando seu pai era vivo, lhe ensinou algumas posturas de palco. Amélia pagou algumas aulas de canto, pois admirava sua voz. No entanto seria sua primeira vez a cantar para uma plateia. Seu principal objetivo tinha barreiras na miséria em que se encontrava, por isso abraçou sua oportunidade e interpretou a música com empolgação.


O agente ficou admirado com a sua performance e convidou a banda para gravar. Ricardo se resignou a aprimorar sua execução no baixo, o sucesso do grupo foi assegurado com a voz rouca e sensual de Roxanne. O restante da história é de conhecimento público, desde o seu casamento com o Ricardo até o fracasso dele e sua separação da banda. O único segredo bem guardado é o meu nascimento.


Ela parecia nervosa e muito emocionada com suas recordações, contudo não havia esclarecido todas as minhas dúvidas. Sem pensar em minhas palavras, perguntei: Mas, mãe, você nunca sentiu falta de nós? Porque nunca nos procurou? Ela me encarou cheia de felicidade e ternura. Eu a chamei de mãe pela primeira vez na vida. Percebi o quanto esta simples palavra saída em um lapso meu a sensibilizou.


Mesmo assim respondeu a pergunta por entre as lágrimas e soluços: “Sempre senti falta e procurei por vocês durante todos esses anos.” Ela contratou um detetive tão logo teve dinheiro suficiente para isso. Tinha dezoito anos quando reencontrou minha avó, morando na mesma cidade, apenas em um bairro diferente. Com a mudança de endereço e a troca de telefone, eles ficaram inacessíveis a distância, contudo não estavam escondidos.


Foi até a cidade com o novo endereço em mãos, esperando encontrar notícias nossas. Amélia contou sobre Anacleto ter fugido comigo um ano antes, coincidindo com a descoberta do meu avô das informações passadas para ela. Ele ficou decepcionado com minha avó e a proibiu de manter contato. Ela simplesmente obedeceu o marido.


Meu pai interrompeu a narrativa para explicar como havia desaparecido. O trabalho após as aulas havia proporcionado economias suficiente para ele sair de casa comigo em seus braços, sem avisar aos pais. Desejava começar uma nova vida, distante do passado trágico. Ele estava magoado por Anne nunca haver procurado por nós, sentia-se traído, pelo seu grande amor e pelos meus avós.


Fugiu procurando não deixar rastros até chegar em seu destino original, Colina Formosa, sabia das boas possibilidades da cidade, havia pesquisado muito antes de decidir onde iria se esconder. Papai não sabia das trocas entre sua mãe e a prima. Com o passar dos anos, via o sucesso progressivo de sua amada e sentia-se esquecido. Sua revolta se intensificou quando ela se casou com o Ricardo, tornando-o cético em relação ao amor e às mulheres.


Minha mãe olhou para ele e notei a dor da culpa em seu semblante. A vida não foi piedosa com nenhum de nós. Todavia teríamos uma segunda oportunidade de nos tornamos uma família. Eu estava disposta a aceitá-la como mãe. Papai parecia estar determinado a recuperar seu amor do passado e ela esperançosa em reconquistar sua família. Havia largado uma carreira de sucesso e a fama para nos reencontrar.


Mamãe voltou a sua narrativa. Conseguiu achar nossos rastros após o surto do meu pai, quando a procurou na Capital. Sua segurança pessoal não permitiu o acesso dele, no entanto com os relatórios em suas mãos, teve suas esperanças renovadas. Passou anos gastando fortunas com detetives, sem nenhum êxito até então. Desta vez tinha uma nova pista e ficou ainda mais fácil de seguir quando papai foi preso e fichado ao voltar para a cidade.


Todos nós reconhecemos o quanto as mentiras e omissões do passado nos fizeram mal. Eu culpei e joguei toda minha revolta para meus avós, minha mãe tentou defender a prima. Amélia era uma mulher simples ensinada a obedecer o marido. Mesmo assim se ela tivesse falado para o meu pai onde Anne estava, eu teria convivido com minha mãe e sem tantas inseguranças. Há esta altura, meu coração estava pronto para receber todo o seu afeto e desejoso de retribuir seu amor.


Agradeci meu pai pela revelação dos fatos, não guardei nenhum ressentimento em relação a ele. Pude entender o porquê dele nunca ter falado sobre a mamãe antes, Anacleto acreditava ter sido abandonado pelo seu grande amor. Era doloroso para ele comentar o assunto, explicar isso para uma criança e por fim admitir sua falta para uma adolescente.


Eu  abracei a Anne com carinho e sem receio algum de chamá-la de mãe. Senti uma gota quente molhar o meu pescoço, seu corpo trêmulo de encontro ao meu. Uma emoção suprema, um sentimento pleno de afeto, amor e felicidade nos envolvia naquele instante. Teremos o restante de nossas vidas para aprendermos a ser mãe e filha.


Percebendo ser o momento de deixar-nos envolvidas naquela atmosfera de reencontro, papai se levantou decidido a fazer nosso almoço. Eu permaneci ali, com a cabeça no colo de minha mãe, como a garotinha dentro de mim sempre havia desejado. Anne começou a cantar uma música com suavidade. A canção falava sobre separação e esperança, ao final me contou ter escrito pensando em mim e disse o nome: Nos Meus Braços.


Quando o almoço ficou pronto, sentamos os três no balcão da cozinha. Meu pai preparou uma refeição saborosa e saudável, nossa primeira em família. Estava feliz por compartilhar aquele momento com os dois e principalmente por ser forte o suficiente para abrir meu coração e ouvir suas revelações. Almejo a ventura de conviver com esta harmonia familiar por muitos anos. Seria muito bom se os dois ficassem juntos e me dessem irmãos.


Após o almoço, me despedi dos meus pais. Apesar do júbilo vivido ao lado deles, em minha mente, os sonhos das últimas noites me perturbavam sobremaneira. As estranhas sensações de estar vazia e incompleta, principalmente ao dormir ao lado do meu namorado me intimidavam. Sentir tanto amor pelo estranho daquele sonho me deixava angustiada e culpada.



15 comentários:

  1. Bem, esse capítulo explica muito porque eu sou fã da Anne. Sem desmerecer nenhum personagem dessa história maravilhosa e perfeita que eu amo demais! Amo todos eles, com suas qualidades e defeitos. Mas a história da Anne sempre me emociona e comove, não importa quantas vezes eu leia ou debata sobre ela com vc, Mita... Anne é exemplo pra mim. Acho que pra Anita tb!

    Obrigada por esse capítulo lindo de morrer!

    Bjks!

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  2. Tia Miiita *U* até que enfim eu comentei aqui... E logo nessa parte da história *-*, eu já tinha descoberto há muito tempo esse segredo, mas não iria nunca imaginar que tinha sido assim tão difícil pra eles dois voltarem a ficar juntos. Porque será que eu amo cada vez as suas histórias? Bom, não te abandonei, e tô acompanhando a história todos os dois dias da semana UHDUHSD ' beijos beijos, Maikon :D

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  3. Pah,
    Eu entendo o motivo de você sempre ter sido fã fiel da Anne. Anne para mim se resume em duas palavras: esperança e perseverança.
    Por nada, obrigada a você por estar acompanhando tudo de novo com tanta motivação.


    Maikon!
    Que surpresa boa! É, a separação deles não foi proposital. Eram jovens e não souberam reagir a atitude do pai... As escolhas que fizeram a partir deste momento os afastaram ainda mais. Fico feliz que ame tanto e acompanhe sempre! Obrigada!

    bjosmil! *.*

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  4. Tiaaaaaaa

    Bem, desculpa denovo minha demora, ms ja sabe.. essa minha net me enlouquece. tive q ler em dois dias e sem conseguir ver a maioria das fotos... =/

    Maaaaaas o importante é q agora ficou claro pra Anita q no final por conta d muitos acontecimentos eles foram separados, ninguem ganhou nada de bom com isso só foram anos e anos de sofrimento para os três... =(
    Quem diria heim?! bendita hr que o Leto foi preso *-* Me emocionei com o carinho entre mãe e filha.. foi lindo *----*
    Acho q até agora foi a atualização mais linda, vou reler outro dia quando puder ver as fotos pra ver se muda alguma coisa... XD

    Ahhh. ia me esquecendo... Esses sonhos... ai,ai..

    PS. até pra postar o comentario foi dificil... =/

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  5. Deh,
    Nem precisa se desculpar!
    Mesmo que por meio de tanta dor e sofrimento, acredito que isso os fortaleceu ainda mais e também o amor do casal. Mas entendo que seja difícil de aceitar uma situação como esta, principalmente para a Anita.
    Bendita a hora em que ele surtou de vez! rsrsrsrsrs Assim os detetives de Anne tiveram uma pista mais "fresca" e sua prisão fechou o cerco.
    Ah... Esta parte é a que eu mais gosto também. Uma parte das inseguranças da Anita terminam com a entrada da mãe em sua vida. Mas ela ainda tem algumas coisas para resolver antes de desistir do seu diário...
    Espero que possa ver as fotos logo!
    Obrigada pelo estímulo, encorajamento, preseça, carinho, amizade... E tudo o mais!
    bjosmil!*.*

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  6. Esta atu me emocionou mesmo... Foi lindo! *__* Carinho de mãe e filha não tem igual mesmo!

    Admiro a Anne, por ter sobrevivido a tanta coisa, tanto problema e continuado sempre com a cabeça erguida. Fiquei assim :O, a pensar como é que ela sobreviveu naquela casa de loucos, com artistas correndo pelados e drogados o dia inteiro :/

    Esta atu foi deveras esclarecedora xD As fotos são lindas como sempre...

    A-D-O-R-E-I não... AMEI!

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  7. mmoedinhas,
    Realmente, colo de mãe é algo único e maravilhoso!
    Anne é muito forte e já convivia com o pai que era um tanto parecido com os dois... De início, acho que o maior problema dela foram as saudades do Leto e da Ani!
    Obrigada por tudo! AMO!
    bjosmil *.*

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  8. Filha! Que atuh linda! Chorei litros!
    A Anne é muito guerreira, a história dela muito comovente! Fiquei feliz que a Anita tenha entendido e perdoado a mãe!

    Atuh mais que perfeita!
    Bjos filha linda!

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  9. Mãinha!
    Triste a história deles, né? O Leto ficou com a melhor parte, a filha. Anita podia até ficar chateada quando não sabia de nada... Mas depois de saber, não tinha como não se comover com a história da mãe, né? Se fosse sentir raiva, seria do pai... Mas ela o ama demais para isso.

    Obrigada, pelo carinho e tudo o mais!
    bjosmil! *.*

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  10. Eu iria comentar só quando tivesse terminado de ler tudo, espero ser hoje, mas este capítulo pediu.
    Agora entendo pq a Paula falou que essa história é a sua predileta, a história realmente me encantou desde o começo, mas com este capítulo, foi inexplicável.
    Quase chorei, tão lindo, estava escutando uma des três musicas que guiam minha vida e acabei a ignorante diante disto, tão maravilhoso.

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  11. Maikon,
    O que gosto na história é que nem tudo é o que parece. Porque Anita vai amadurecendo suas ideias de acordo com o seu próprio amadurecimento. E descobrindo-se pouco a pouco.
    Obrigada!
    bjosmil!*.*

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  12. O Anacleto foi tão sincero ao revelar sua covardia. A Ani tem o melhor pai do mundo, logo depois do meu. A história da Anne é realmente comovente, mas convenhamos, se eu tivesse esse Ricardo LINDO do meu lado noite e dia, show e vida real, eu parava de chorar - se bem que ela era jovem e sentia saudades de todo mundo, inclusive da filha e do próprio pai, que era um drogado.

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  13. Aninha!!! weeee
    Bem, ele era jovem e continuou errando por anos ao esconder o passado da filha e se esconder da Anne. Precisava revelar a verdade para se redimir do passado! BEm, pode ser que npos primeiros anos ela não tivesse notado a beleza do Ricardo pela tristeza passada, mas acabou casando com ele, né? Anne teve uma vida cheia de perdas: FATO!

    bjosmil!*.*

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  14. Ain... Não consigo não chorar com essa hist da Rox, Mita...
    Me arrepiei.
    Rox é mesmo uma diva... Desde sempre!

    "Entretanto seus modos e sua aura de afeição me tocaram sobremaneira. Sua emoção era sincera e seduzia os meus sentimentos a corresponderem."
    Só posso dizer que compartilho essa sensação nesse exato momento, Ani.

    Atuh emocionante, Mita.
    A última vez que chorei assim com uma leitura foi em Adam.
    As emoções que as suas palavras me passam me surpreendem.
    Amei, amo...

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  15. A história da Rox é muito envolvente e comovente. Não gosto de pensar muito, pois me entristece e me emociono com esta mulher forte. Fica difícil não gostar dela, mesmo estando com tanta raiva, como a Anita estava.
    Este é um dos trechos que mais me emocionam nesta história, por isso, de certa forma me alegre que tenha se emocionado neste ponto!
    Amo quando ama! *.*

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